Eu tenho uma história para contar sobre o poder de um abraço. Há alguns anos viajei de férias, durante 25 dias, com um amigo de longa data, recém-separado, em depressão. Eu não sabia que ele estava naquele estado, talvez nem ele soubesse, até iniciarmos nossa trip pela exótica ilha de Bali, na Indonésia. O lugar era incrível, alugamos scooters, visitamos templos belíssimos, nosso hotel se debruçava sobre uma plantação de arroz verde-oliva de tirar o fôlego, havia sorrisos por todos os lados. Menos no rosto dele.
Quando, ao final do terceiro dia, percebi intuitivamente o tamanho do buraco negro que ele trazia em si, a dor causada pela desconstrução do lar, a perda do pilar “família”, a extrema saudade da convivência com os filhos que foram morar em outro país com a mãe, culpas, mágoas, medo, resolvi abraçar a causa. Literalmente. Apenas as horas e horas de conversas que tínhamos do nascer ao morrer do sol não estavam adiantando. Palavras remendam o espírito, afeto restaura o coração. Instaurei a “terapia do abraço”.
Toda manhã, antes do dia começar, antes de nos vestirmos, planejarmos trajetos, besuntar com repelente, antes de qualquer outra coisa eu ia até ele e o abraçava longamente. Longamente mesmo, 20 ou 30 segundos. Algo a que chamei carinhosamente de “morning hug” (abraço matinal).
No primeiro dia ele se assustou, não entendeu nada. Ele estava se preparando para irmos tomar café quando o chamei e disse “Vem cá”. Me olhou com aquela cara de “What?”, mas veio. “Give me a hug”, falei. Ele ficou parado. Então, fui até ele e o abracei. Seus braços ficaram inertes ao longo do corpo rígido. Não me importei. Fiz: “Shhhh”, como quem acalma a um bebê. E ali fiquei pelo tempo que senti importante. Depois, sorrindo, olhei em seus olhos: “Agora podemos começar o dia”.
No dia seguinte, a cena se repetiu. Parei na frente do meu amigo e ele “What?”. Não precisei dizer nada. Abri os braços, ele deu um meio sorriso. Nos abraçamos longamente. Suas mãos batiam nas minhas costas em tapinhas, meio sem jeito, como quem não sabe bem o que fazer. Ria nervoso. Mas gostou.
No terceiro dia, bastou um olhar. Conectamos. Em silêncio, sempre em silêncio, envolvemos os braços um em volta do outro. Não sei no que ele pensou, não lembro no que pensei. Talvez tenhamos apenas criado um espaço-tempo para não pensar. Um momento de se sentir acalentado. De puro acolhimento.
Os dias foram passando e nosso momento sagrado se repetindo. Um longo abraço já não era algo estranho a nós, mas um elo imprescindível. Há algo mágico num gesto desses, como se nos enraizássemos num sentimento de bem-estar, segurança, amor.
Então, aconteceu. Não sei o que íamos fazer, se algum passeio, eu estava atrasada. Me arrumei correndo e ainda tinha que passar protetor solar. Estava enfiada dentro da mala procurando a canga, quando me viro, tomo um susto. Meu amigo estava ali, parado, atrás de mim. “Hey, where is my morning hug?”, sorria. Ele perguntou onde estava o abraço dele? Quase fui às lágrimas. Por dentro, estava emocionada. Nos abraçamos rindo, rindo muito. E estou sorrindo agora enquanto lembro dessa história.
E até hoje, quando nos falamos pelo Skype, ele, que não está mais em depressão, que cruza oceanos de Singapura a Berlin a cada 15 dias para visitar os filhos, que reconstruiu sua vida, se despede assim: “I miss our morning hugs”.
Quando amigos se separam, sinto em mim uma transformação-polvo. Braços extras brotam do meu eu e ventosamente os envolvo. Se há um poder curativo em um longo abraço eu não sei. Pero que las hay, las hay. Experimente.
Um beijo,
Ana Kessler