Quando eu não era mãe, eu não tinha tempo. O tempo me faltava o tempo todo. Eu corria de um lado para outro enlouquecida, trabalhava tanto, estudava muito, fazia cursos, academia, trabalho voluntário. Ele era um chicote nas minhas costas a me empurrar pra frente, uma cenoura pendurada na frente de um burro, eu correndo atrás. Eu, eternamente puxando carroça. Eu, um cão atrás do rabo? Eu, eu, eu. O tempo era meu e não me pertencia. Sempre tivemos uma relação difícil. Achava impossível inserir novos compromissos e tarefas numa rotina já tão alucinante. Até me tornar mãe.
Quando a Bia nasceu, pari junto uma ampulheta. Uma espécie de medidor de tempo especial, com freio e acelerador. Na minha hora normal de antes, onde cabia apenas um banho, passou a comportar espremida e agregadamente uma troca de fraldas, outra de tip top, uma corrida até o varal para estender roupinhas, um telefonema para a farmácia para encomendar algodão, um acalentar a cria que choramingava no berço de fome e, vixe, o início de outra mamada. E então a conexão com o olhar daquele serzinho sugando o meu peito tornava um segundo uma eternidade. Foi aí que percebi que o tempo é elástico. Estica e encolhe e só depende de nós.
Nós devíamos olhar para o tempo com mais respeito e nitidez. Devíamos considerá-lo um adendo do sexto sentido. Ele não é abstrato, por mais que seja invisível e precisemos capturá-lo com ponteiros de relógio: é pura presença. Não tem forma física, mas se expõe em memórias e fotografias. É invariável, mas acelera e diminui conforme nossas ações. Podemos segurá-lo com as mãos ou deixar escorrer entre os dedos. É nosso senhor e mandamos nele. E o mais importante: não é igual para todos. Não é igual nem para nós mesmos. O que eu faço com o meu tempo define o quanto dele terei. E é aí que mora o segredo.
Às vezes pensamos que nossa vida está um caos e não damos conta de mais nada. Damos sim. Que somos escravas das horas. Não somos. Que estamos sempre atrasadas porque temos muito a fazer em tão pouco tempo. Ilusão. A sensação é a de que perdemos o controle, mas eu afirmo: não perdemos. O que nos consome e dá rugas é uma associação de três fatores pra lá de femininos: a falta de prioridades (achamos que tudo é importante e queremos abraçar o mundo), o não saber delegar e, o mais sofrível, o ter vergonha de pedir ajuda.
Pode ser até que o motivo não seja vergonha, mas que você não pede ajuda, não pede. É ou não é? Então passe a pedir. Não tenha medo de ouvir “não”. A ausência de auxílio já pertence à sua rotina, você não tem nada a perder. Chegou do supermercado cheia de compras? Fulaninho, vem cá, coloca os leites na geladeira, por favor, enquanto a mamãe vai guardar os produtos de limpeza. Depois, ponha as frutas na fruteira. Meu bem, estou tão cansada, será que você podia fazer a janta hoje e lavar a louça? Mãe, você pode buscar o Beltraninho na escola pra mim? Obrigada, por gentileza, por favor, as palavrinhas mágicas são varinhas de condão nessas horas. Use-as com frequência.
Delegue. Você não precisa fazer tudo sozinha, você é uma mulher, não um polvo. Ó, a partir de hoje você ajeita a sua caminha todos os dias de manhã, ok? Ah, não sabe fazer, vamos lá que vou te ensinar. Amor, fiz uma lista das tarefas do lar, dividi por dois e vou ser legal com você: escolhe as que vai fazer, eu fico com as demais. Não pense que, por ser mulher, a obrigação é sua. Não é. Viver dá trabalho e não é profissão. Ninguém é remunerado para limpar a própria casa. Então, sujou? Limpou. Distribua a responsabilidade sobre a manutenção do seu habitat. Passe a bola. E simplesmente não faça. Seu lar doce lar tem que ser doce pra você também.
Anos atrás, assisti a um debate interessantíssimo no Fórum Momento Mulher, onde a então Vice-Presidente Global da Unilever, Aline Santos, deu um depoimento que me marcou. Ela contou como planeja todo o seu ano em função de uma só prioridade: as datas importantes do calendário escolar dos filhos. Dias de provas, apresentações, eventos, feriados são assinalados e, a partir daí, cruzados com os compromissos e viagens internacionais a trabalho que necessita fazer (e não são poucas). Então, organiza a agenda e, com muita sabedoria, prevê também momentos a dois para ela e o maridão. Achei incrível.
Quem de nós organiza a vida a partir de prioridades? Quem, simplesmente, organiza a vida? Vivemos muitas vezes atropelando o calendário, tropeçando em datas, mal e mal respirando. Elenque suas prioridades, distribua o que não é sua obrigação de nascença, conte com a ajuda de quem está em volta. Ajude também. Planejamento é tudo. Disposição é essencial. Ser amiga de você mesma, fundamental. Liberte-se.
Um beijo,
Ana Kessler